Demorei, mas terminei de ler o último romance de Roberto Bolaño. Um livro
com mais de oitocentas páginas. Em vez das habituais duas ou três semanas,
fiquei nele três meses. Falando assim, parece que a leitura não foi grande
coisa, que teria seguido mais para o cansativo do que a curtição, o que é um
engano. O livro é magnífico, mas logo depois que o escreveu o autor morreu, por
isso é o seu último trabalho. Não pensem que morreu por causa do livro, apenas
aconteceu-lhe a infelicidade natural de quem está vivo, no caso dele a de ficar
doente e seguir o curso da natureza de voltar ao pó, com apenas 50 anos de
idade. Na verdade Roberto Bolaño morreu um pouco antes do livro ficar realmente
pronto. Ele não pode ir até aquele momento em que o autor coloca o ponto final
nas releituras e correções, então suspira de alívio, ou grita de alegria, e
envia o livro para o editor. Bolaño deixou o trabalho ainda precisando de
alguma revisão e edição no texto, nada que tivesse impedido seus editores de
considerar que o romance estava pronto para ganhar o mundo. Há sobre isso, no
final do livro, uma nota esclarecedora.
É um romance estranho, mas interessante, do tipo que faz o leitor querer
continuar a leitura até o fim, mas, mesmo assim, fiquei agarrado nele três
meses. Por que?
No começo Bolaño conta a história engraçada e irônica sobre a adoração
que uns críticos literários europeus têm acerca de um escritor alemão,
supostamente recluso, um tal Benno Von Archimboldi. Ficam caçando o escritor,
ministrando palestras sobre ele e praticando coisas hilárias pela Europa até
chegarem ao México, seguindo uma pista improvável. Quando parece que vão
desvendar o mistério sobre o paradeiro do escritor, a história sofre uma guinada
e mergulha em uma zona nebulosa, num lugar estranhíssimo, o México. O ritmo é
alterado e isso fez diminuir a velocidade da minha leitura. Por que? Porque
fiquei relendo o começo tentando reatar o fio da meada. Não havia nada ali, claro,
no começo. Desisti e toquei como se fosse outro livro: a história de um sujeito
chamado Amalfitano, lá no México.
Lá pelas tantas acontece outra mudança de ritmo e de enredo, mas eu já
estava escolado e segui em frente. Ainda no México, vem a história de um
jornalista americano que está ali cobrindo uma luta de boxe, coisa que por lá
tem status semelhante ao da religião católica. Depois aparece a história onde
um maníaco depreda igrejas e ataca sacristãos. Depois começam os assassinatos.
Aí foi a hora em que uma pedra se instalou no meu estômago. São dezenas de
descrições de cadáveres mutilados de mulheres, sempre no México.
Nesse momento achei que já havia me entendido com o Roberto Bolaño. “Bom,
ele estava escrevendo vários livros, descobriu-se seriamente doente e que não
terminaria qualquer um deles. Juntou tudo, criou uma linha fininha ligando mais
ou menos a coisa toda e mandou para a editora.” Pensei.
Errei.
Logo estávamos de volta à Europa, seguindo em direção ao fim da história enquanto
os fios da meada se ligavam de maneira genial.
É diferente, é fragmentado, é novo e bem escrito. Roberto Bolaño produzia
literatura de qualidade quando deixou esse mundo.